Pop Magick

Avatar: Aang, Korra, e a magia

Aang e Korra são os aprendizes que nos levam a entender a história por trás do mundo de Avatar (e, indiretamente, a História da Ásia), em duas épocas diferentes, uma delas feudal, e outra republicana. Ambos são reencarnações de Wan, o primeiro humano com poder de manipular os quatro elementos, e têm como missão de vida (Verdadeira Vontade) estabelecer o equilíbrio entre as Nações, bem como entre os mundos Físico e Espiritual.

Mas, antes de começarmos, é sempre bom lembrar que o texto segue uma ordem temática, e pode ter spoilers das duas temporadas de Avatar. Sendo assim, continue a ler por sua conta e risco.

Inicialmente, os espíritos viviam livres sobre a Terra. Seu caráter era dúbio, e embora muitas vezes fossem benéficos, ao verem humanos interferindo no Planeta estes espíritos se tornavam raivosos, atacando os humanos e buscando re-estabelecer o equilíbrio. Por este motivo, os humanos viviam em cidades construídas no casco de gigantescas Tartarugas-Leão, que os protegiam e manipulavam os elementos a seu favor.

Imagem: Aang encontra com uma tartaruga-leão.

Cada Tartaruga-Leão manipulava apenas um elemento, até que Wan solicitou à Tartaruga do Fogo que lhe ensinasse este poder, para que ele pudesse se proteger de espíritos enquanto saía em busca de alimento. Aos poucos, encontrou outras Tartarugas-Leão e com elas aprendeu a manipular mais elementos, até dominar os quatro. Assim, Wan foi o primeiro Avatar, um humano com a capacidade de dobrar ou dominar os elementos terra, água, fogo, ar.

As “tartarugas do mundo” são citadas em diversas mitologias, dentre elas a Hindu e a Chinesa, além de povos indígenas das Américas. Na mitologia Hindu, a tartaruga Akupāra (em Sânscrito: अकूपार) suporta o universo, por vezes tendo quatro elefantes sobre seu casco, que suportam o céu. Já entre os chineses, as pernas da tartaruga Ao (em Chinês: 鳌) são cortadas e utilizadas para suportar o céu. Para os povos americanos Lenape, os terremotos são causados por movimentos da Tartaruga do Mundo. Neste sentido, as tartarugas são tidas em diversas culturas como exemplos de longevidade, resistência e suporte, e podem ensinar aspectos primordiais do Cosmos para os humanos (como na lenda Árabe da tartaruga que trouxe as 9 principais letras do alfabeto em seu casco), bem como de isolamento para meditação (quando se recolhem dentro de seu casco).

Elementos

Wan aprende a controlar os 4 elementos, e sabemos depois que os humanos que viviam em Tartarugas-Leão fundaram Reinos, sempre sob a proteção dos dominadores de suas tribos. As Nações da Terra, Água, Fogo e Ar viveram em paz por milênios, até que a Nação do Fogo, com desejo de dominar territórios além de suas fronteiras, invadiu outros reinos. Assim, a Tribo da Água ficou dividida entre dois Pólos de resistência, no Norte e no Sul, e a Tribo do Ar foi dizimada (Aang foi o último sobrevivente). Após a abertura do véu do mundo dos espíritos por Korra, os poderes de dominação de Ar voltam à Terra, e o equilíbrio é recuperado.

Imagem: os territórios das 4 nações antes da Guerra.

Ao longo das temporadas, vemos que existem outros tipos de dominação além dos 4 principais. Dentre os tipos de dominação existentes, há 8 principais, que se relacionam com os 8 trigramas do iChing:

  • Terra (): o trigrama da Terra, O RECEPTIVO, traz aspectos de materialização e provimento, alimento, gestação, forma física, e também da inércia; é o trigrama da Mãe.
  • Água (): o trigrama da Água, O ABISMO, trata dos sentimentos e do inconsciente, da mutabilidade, da fluidez, e por vezes da imprevisibilidade; é o trigrama do Filho do Meio.
  • Fogo (): o trigrama do Fogo, A LUMINOSIDADE, a luz que a todos ilumina, a clareza mental e a dissolução de sombras e da nebulosidade sobre as questões mais complexas; é o trigrama da Filha do Meio.
  • Céu (☰): o trigrama do Céu ou do Ar, O CRIATIVO, é o espírito que habita a matéria, trazendo a ideia que será depois materializada. Liberdade e desprendimento são seus aspectos principais; é o trigrama do Pai.
  • Montanha (): o trigrama da Montanha, A QUIETUDE, regendo também o Metal, traz aspectos de paciência, parada, repouso, resiliência; é o trigrama do Filho mais Novo.
  • Lago (☱): o trigrama do Lago, A SUAVIDADE, regendo também o Gelo (água calma ou com a superfície congelada) traz o reflexo do que existe, e a justiça, com imparcialidade; é o trigrama da Filha mais Nova.
  • Trovão (): o trigrama do Trovão ou da Eletricidade, O INCITAR, é a semente que germina dentro da terra e, após acumular energia, ganha o mundo com sua iniciativa; é o trigrama do Filho mais Velho.
  • Vento (): o trigrama do Vento, A SERENIDADE, tem contribuições pontuais e cirúrgicas no mundo, atuando com incisividade e certeza do que faz. Na maioria do tempo, porém, passa despercebido; é o trigrama da Filha mais Velha.

Em suas andanças, Wan encontrou Raava e Vaatu, dois espíritos que lutavam entre si, e assim mantinham o equilíbrio entre Luz e Trevas no mundo. Ao encontrá-los, porém, Wan fez com que Vaatu conseguisse fugir, e o Mal ficou livre pelo mundo, incitando os espíritos a atacarem os humanos. Raava, então, se funde com Wan para que possam buscar Vaatu e aprisioná-lo novamente. Raava e Vatu representam a Luz e as Trevas que lutam desde o mundo primordial, e de cuja luta deriva o eterno devir do Cosmos.

Imagem: Raava e Vaatu lutando.

Raava possui o princípio de Vaatu dentro de si, e Vaatu possui o princípio de Raava dentro de si, de forma que, no caso de um dos dois morrer, renascerá do interior do outro. Esta é uma alegoria para a explicação do Tao, e do próprio Yin e Yang, onde luz e trevas estão em tensão constante e contêm a semente uma do outra.

Na Lenda de Aang, nos deparamos com uma manifestação mais mundana e mais direta do Yin e do Yang, relacionada com a própria vida. Tui (branco) e La (preto) são espíritos que resolveram abrir mão de sua vida astral e se manifestaram como peixes, vivendo em um lago na Tribo da Água do Norte. Representam a Lua e o Mar, em uma constante dança, controlando marés e os ciclos vitais na Terra.

Imagem: Aang vê os peixes Tui e La.

O aspecto de equilíbrio é visto também quando Aang e Zuko encontram os primeiros dobradores de fogo. Aprendem que a raiva deve ser controlada e direcionada para que possa levar a resultados proveitosos, e que isso é possível de ser alcançado aprendendo sobre os fluxos energéticos e se sincronizando com a dança da vida. Os dragões adormecidos representam este potencial, e somente por meio do equilíbrio entre severidade e misericórdia (abordado, por exemplo, na Cabala) ele será desbloqueado. Seu despertar é análogo ao despertar da Kundalini, que em algumas vertentes esotéricas é representada por dois tramos em forma de hélice.

Imagem: Aang e Zuko encontram com os dragões.

Em A Lenda de Korra, somos apresentados ao plano espiritual. Neste plano, acessível por meio de dois (ou mais) portais no mundo físico, há feixes energéticos que de tempos em tempos formam uma ponte sobre a enorme Árvore do Tempo que ali se localiza.

Yggdrasil, a árvore nórdica dos mundos, está relacionada à conexão entre os Planos. A ponte Bifrost é o modal pelo qual ocorre o transporte, representada aqui pelos feixes energéticos.

O momento da Convergência Harmônica, por sua vez, pode ser associado com alinhamentos planetários e solstícios que são citados em diversas vertentes mágicas. Neste sentido, alguns portais se abrem em momentos específicos, e nestes momentos os magistas podem acessar mais facilmente outros reinos.

Imagem: o plano espiritual e a Convergência Harmônica.

No interior da Árvore, com ajuda de Raava, o Avatar Wan aprisionou Vaatu, controlando o Mal no mundo. Este aprisionamento de Vaatu remete ao poder que, solto no mundo, sai de controle e por isso precisa ser mitigado.

Tal arquétipo encontra analogias no Livro de Enoque (quando Deus resolve causar um Dilúvio e aprisionar os Anjos que deram conhecimento aos homens), no mito de Prometeu (que entrega o fogo aos homens e por isso é aprisionado com uma águia eternamente comendo seu fígado), no mito de Sísifo (que rapta a filha de um Deus e por isso é condenado a empurrar eternamente uma pedra subindo uma montanha) e no mito de Loki (que, após denunciar abertamente defeitos dos deuses em um jantar, foi acorrentado no subterrâneo com uma serpente derramando veneno sobre seus olhos).

Imagem: Vaatu aprisionado na árvore.

Chakras

No caminho para desbloquear seu potencial completo, Aang encontra um guru que o ensina a abrir seus chakras, e posteriormente a conversar com seu Homem Superior, Homem Cósmico, Self ou SAG. Para isso, explica sobre os Chakras como se fossem os poços onde uma corrente energética que perpassa pelo corpo humano se acumula e rodopia. Quando há muito acúmulo de resíduos nestes poços, a água se torna turva e não pode fluir — por isso, é necessária a purificação e a remoção dos impedimentos das correntes energéticas.

Imagem: os Chakras bloqueados como poços entupidos no caminho de um rio.

As explicações dos Chakras, embora muito simplificadas, encontram eco em várias vertentes esotéricas Orientais e Ocidentais (como as da Golden Dawn, que se utilizam de princípios Orientais):

  • Muladhara, o Chakra da sobrevivência: do que você tem medo? Faça seus medos se renderem. O Chakra da sobrevivência convida a reviver momentos onde se teve momento de perder a vida, para que os medos sejam combatidos.
  • Swadhistana, o Chakra do prazer: do que você se culpa? Perdoe a si mesmo. No Chakra do prazer, aprende-se que não é possível seguir uma vida leve e prazerosa caso haja culpas acumuladas, e peso na consciência.
  • Manipura, o Chakra da força de vontade: do que você tem vergonha? Aceite esta parte da sua vida. Aqui, as vontades não podem ser alcançadas se a pessoa se envergonhar de feito o que queria, no passado.
  • Anahata, o Chakra do amor: do que você tem pesar? Deixe a dor ir embora. Neste caso, a dor impede que o amor aflore, exatamente por medo de sentir dor caso haja uma nova separação.
  • Vishuddha, o Chakra da verdade: quais as mentiras que contamos a nós mesmos? Você não pode mentir sobre a sua própria natureza. A verdade aparece mediante a comunicação, mostrando as verdadeiras intenções.
  • Ajña, o Chakra do discernimento: quais as ilusões que ainda nos afetam? A maior ilusão é a da separação. Coisas que achamos que são diferentes são na realidade uma só. Tudo está ligado. O discernimento ajuda a analisar separadamente (Solve), e depois entender as relações entre os elementos (Coagula). Também é o Chakra da vidência, permitindo visualizar e navegar pelo éter, onde tudo está imerso.
  • Sahashara, o Chakra do pensamento: o que o liga a este mundo? Se liberte das amarras terrenas. Deixe que todas as ligações vão embora. Deixe a energia cósmica fluir diretamente para você. No Chakra do pensamento, a Mente se conecta com o Cosmos, e as informaçções são recebidas diretamente. É desbloqueando-se este Chakra que será possível a comunicação com o seu eu interior.
Imagem: Aang meditando com o guru para abrir seus Chakras.

O plano espiritual e o plano astral são abordados de forma magistral em Avatar. O primeiro é mais simbólico e arquetípico, enquanto o segundo (embora também chamado de plano espiritual) seria sobreposto ao nosso. Na Lenda de Korra, há diversas passagens de um mundo ao outro, e o véu entre os mundos é rompido, permitindo que os espíritos se manifestem livremente no mundo físico, em Cidade República. Posteriormente, o poder espiritual é usado por Kuvira na elaboração de uma arma de destruição em massa, que ela usa para tentar estabelecer uma ditadura militar.

Imagem: Aang se desdobrando no Plano Astral.

De forma geral, o plano espiritual é utilizado também na série para explorar aspectos inconscientes dos personagens. Em uma passagem, ao procurar sua filha neste plano, o mestre do Ar Tenzin se encontra em um Abismo nebuloso, onde as pessoas tendem a enlouquecer. Para não se perderem, Tenzin e seus irmãos amarram fios entre si, o que acaba não dando muito certo.

Imagem: Tenzin, Bumi e Kya no abismo do plano espiritual.

Os fios-guia para auxiliar na exploração do inconsciente são citados, por exemplo, no mito do Minotauro, quando Ariadne entrega a Teseu um novelo de lã para que ele encontre o caminho de volta no Labirinto. Os fios das deusas-aranhas também representam este aspecto de cura e de guia, e em algumas práticas de projeção astral é recomendado conjurar um fio prateado que possa trazer a pessoa de volta ilesa.

Ironicamente, Tenzin e seus irmãos são jogados no Abismo por um espírito na forma de aranha, e ali enfrentam suas questões familiares, revolvendo o passado e evoluindo enquanto pessoas e como família.

No plano espiritual, conforme explicado pelo Tio Iroh, as energias se manifestam da forma que as entendemos. Em um primeiro contato com elementos desconhecidos, é normal sentir medo, ou entender estas energias como nocivas e maléficas.

Imagem: espíritos interpretados por uma pessoa não sincronizada com sua energia.

Porém, os conceitos de Bem e Mal, e as próprias energias espirituais, podem ser compreendidos e ressignificados, e assim se apresentam de forma muito mais amigável. Se um magista tem medos, mesmo que inconscientes, não seria muito indicado que ele penetrasse em camadas mais profundas da psiquê, pois ali poderia encontrar e ter que enfrentar tais medos sem o preparo adequado. Por outro lado, se houver compreensão das energias, equilíbrio próprio, e confiança em seu potencial, até os mais poderosos espíritos podem ser contactados sem perigo algum.

Imagem: espíritos interpretados por uma pessoa sincronizada com sua energia.

Ao longo das temporadas, são apresentadas diversas aplicações das dominações, como por exemplo a dobra de Água sendo utilizada para dobrar Sangue e controlar pessoas. Este tipo de dobra foi desenvolvido com o intuito de proteção de inimigos, e é utilizado por uma bruxa da Tribo da Água que foi capturada pela Nação do Fogo e precisava encontrar meios de sair da prisão, onde não havia água (pelo menos não água pura). O poder da dobra de água ganha poder máximo na Lua Cheia, o que tem muita relação com os feitiços de bruxaria natural, que atingiam seu epíteto nesta fase da Lua.

Imagem: Katara luta contra uma dobradora de sangue.

Esta prática é um tabu entre os dominadores, e sua prática é proibida de forma oficial, mas isto não impediu que mestres com sede de poder a treinassem, e em A Lenda de Korra conhecemos Amon, um vilão que utiliza a Dobra de Sangue para impedir os fluxos energéticos no corpo de dominadores, retirando assim sua capacidade de dobra. Retirando o poder de todos os dominadores, Amon deseja tornar o mundo mais igualitário. Porém, percebe-se que ele realiza isso por meio de técnicas de dominação, o que por si só é uma incoerência, e o leva a ser desmascarado.

Imagem: Amon retira a dominação de Korra.

Em sua equipe, Amon possui Chi-Bloqueadores, soldados equipados com dispositivos elétricos que permitem bloquear temporariamente os fluxos energéticos de uma pessoa ao serem ativados em pontos notáveis no corpo. O bloqueio de Chi utilizado na Lenda de Korra, por sua vez, foi aprimorado a partir da técnica de Ty Lee, uma contorcionista circense da Nação do Fogo que utilizava (na época de Aang) suas mãos para golpear rapidamente pontos de acupuntura e músculos de seus oponentes.

Na Lenda de Aang e na Lenda de Korra, somos apresentados a uma grande Biblioteca que se localiza no subterrâneo, no deserto, e que possui conhecimento acumulado por muitos milênios. Para entrar e consultar algum conhecimento, é necessário levar um conhecimento novo. De fato, na mitologia, algo precisa ser deixado no submundo quando ele é visitado em busca de conhecimento, como já foi descoberto por diversos heróis Gregos, e esse “algo” pode ser Perséfone, ou Eurídice na forma de uma estátua.

O guardião deste mundo, que toma a forma de um espírito com face de coruja (arquétipo da sabedoria), é quem zela pela segurança das informações, cuidado para que os Homens não as usem de forma descontrolada como fizeram no passado. Suas raposas (arquétipo da sagacidade) organizam os livros e coletam novas informações pelo mundo a fora, à medida que elas são geradas. É aqui que Aang descobre sobre um Eclipse vindouro que permitiria que enfrentasse o Senhor do Fogo em seu momento de maior vulnerabilidade.

Imagem: a biblioteca subterrânea e seu espírito protetor.

Diversos locais no Mundo Antigo tiveram esse papel de repositório de informações. O Império do Rei Salomão era um deles, unindo o conhecimento de muitos povos que era trazido pelas suas esposas. Outro era a Biblioteca de Alexandria, com muitos manuscritos que dizem-se ter perecido em um incêndio de grandes proporções. Na Torre de Babel, construtores de muitos povos se reuniram em prol de um objetivo comum, e posteriormente se desentenderam devido à barreira linguística (presumidamente gerada por Deus para puni-los por sua soberba).

Na obra do poeta Borges, temos a Biblioteca de Babel, um edifício grandioso com salões hexagonais onde se encontram todos os livros de todas a línguas que já foram escritos e que serão escritos até o fim dos tempos. Esta biblioteca serviu de inspiração para um projeto na internet, que consiste em combinações de caracteres geradas por um algoritmo, e que com tempo suficiente de processamento conseguirá formar todas as palavras, frases e livros existentes na História ou que ainda possam vir a existir (serve também como instrumento de divinação para os Tecnomagistas mais inovadores).

Na Lenda de Aang, o inicialmente vilão Zuko passa por um momento onde enfrenta sua própria sombra e seus erros do passado. Já na Lenda de Korra, é ela própria que enfrenta suas inseguranças, na forma de uma manifestação de seu Eu que diz: “você não será mais capaz de dominar os elementos”.

Imagem: Korra luta contra sua própria sombra.

A luta contra a Sombra, e a própria desconstrução do Ego, são passos importantes na jornada mágica. Somente enxergando as nossas partes que não queremos ver podemos começar a compreendê-las e absorvê-las, aproveitando suas características para nossa própria evolução, quando possível. O Ego, aquilo que sabemos que somos, vai sendo moldado, e se aproximando cada vez mais do Self, aquilo que somos. A conexão com o Todo, a Mente Cósmica, o campo eletromagnético, o Akasha, o Éter ou o Plano Astral é possível, então, pois já não estamos presos à matéria e reféns dos nossos instintos e medos internos.

Imagem: o grande pântano interligado à Árvore Central.

Não por acaso, é no pântano (área obscura e pegajosa da psiquê) que Korra finalmente enfrenta sua gêmea hostil (sua Sombra), encontra uma árvore que sobe em direção aos céus (a árvore é o símbolo do Self), se conecta com uma grande rede global de plantas interligadas (representando o Éter), e assim compreende melhor as características de seu Eu Superior.

Em diversas vertentes Orientais e Ocidentais, encontramos conceitos similares quanto ao Eu Superior, o Grande Homem, o Homem Cósmico, o Self, o Sagrado Anjo Guardião (SAG). Seriam uma parte de nossa psiquê mais profunda, conectada com o Destino e o nosso papel no Cosmos, de onde também emana nossa Verdadeira Vontade (em contraposição às vontades mundanas, do Ego).

Imagem: Aang encontra com seu Self.

Aang e Korra acessam esta parte aprendendo a transcender, se conectar ao Todo, abrindo os chakras e deixando a inspiração vir diretamente do Cosmos. Isso seria análogo, também, ao conceito de Gnose, quando o Conhecimento Verdadeiro pode ser acessado em seu estado puro, sem as interpretações muitas vezes enviesadas de nossa mente Consciente. No caso dos dois Avatares, o encontro com Verdadeiro Eu possibilita o controle da dominação dos quatro elementos, e a entrada em Estado Avatar, desbloqueando-se assim seu potencial completo.

Imagem: Korra encontra com seu Self.

Nas correntes mágicas e espirituais onde é citado, o conceito de Self está ligado ao propósito na vida, a saber qual caminho seguir para chegar onde se precisa estar. Este caminho está ligado a planos mais elevados, e não necessariamente está de acordo com o que a pessoa Quer, mas sim ao que ela Precisa. Neste sentido, o sucesso no caminho Mágico pode ser alcançado quando a vontade do Ego se sintoniza com a vontade do Self, e o magista se sente realizado em seguir o caminho que percebe que é o melhor para si, maximizando concomitantemente sua contribuição para o Todo e o impacto de sua atual passagem pela Terra.

Como já foi comentado, em Avatar o conceito de Ressurreição é muito utilizado, principalmente para traçar-se a evolução do próprio Avatar em suas diferentes vidas. Korra recebe conselhos de Aang, e ambos se comunicam com suas vidas passadas em busca de um caminho a seguir.

No caso de Aang, os monges do Povo do Ar descobrem que ele se trata da próxima encarnação do Avatar colocando-o ainda criança em meio a centenas de brinquedos, e permitindo que escolha os preferidos. Ao escolher os quatro brinquedos que caracterizam o Avatar, os sábios se preparam para prover a ele o treinamento adequado à sua missão no mundo. Esta técnica era usada em algumas vertentes do hinduísmo, e, devido ao imenso número de brinquedos disponibilizados, as possibilidades de duas crianças em diferentes épocas escolherem exatamente os mesmos eram mínimas, o que comprovaria se tratarem de um mesmo espírito reencarnado.

Porém, há um preço a se pagar em termos de ressurreição, como descoberto por Korra, quando se é o Avatar. A morte (ou ferimentos graves) em Estado Avatar quebra o ciclo, as vidas anteriores não podem ser mais acessadas, e as vidas posteriores não existirão. O Avatar sai do ciclo do Samsara, e não mais participa da Roda das Reencarnações. Este é um conceito bem importante no Budismo Tibetano, embora nesta vertente a quebra do ciclo seja alcançada mais frequentemente pela transcendência total do que pela morte absoluta.

Imagem: os quatro últimos Avatares, por Scott Wade.

Como conclusão, podemos perceber que Avatar encontra muita inspiração nas correntes mágicas e religiosas Orientais, assim como conceitos que foram posteriormente adaptados e trazidos para o Ocidente pela Golden Dawn, em suas diversas vertentes. Sabendo-se analisar o anime em suas muitas camadas de interpretação, o potencial de uso em Pop Magick fica muito claro.

Gabriel Costa
Engenheiro químico, estudante de diversas vertentes de ocultismo, artista circense, Drag Queen e ilustrador. Possui maior afinidade com estudos oníricos, interpretação de sonhos e projeção astral, além de divinação por sonhos, Tarot, LeNormand, Anjos e Demônios.
gabriel.de.figueiredo@gmail.com