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As Referências Ocultistas em Hora de Aventura

Com algumas historinhas passageiras e sem conexão direta entre si, estilo de desenho simples e piadas aparentemente inocentes, em Hora de Aventura somos transportados para a Terra de Ooo, e acompanhamos as aventuras de Finn, o Humano, e Jake, o Cão. Com o passar das temporadas, porém, é percebido um fio condutor por trás das aventuras aparentemente desconexas, com tramas muito complexas e misturas de sentimentos que poderiam muito bem fazer parte de uma obra niilista ou de um livro de teorias metafísicas.

Imagem: Finn e Jake, por Gabriel Costa.

Porém, antes de começarmos a navegar pela história da Terra de Ooo, é preciso dar um alerta: as informações contidas neste texto seguem uma ordem temática, e abordam todos os episódios lançados até hoje. Portanto, se não quiser receber spoilers, pare de ler aqui, ou peça para um amigo filtrar as informações para você.

O Apocalipse

Imagem: Simon e Marceline após o Apocalipse.

No passado distante, havia dinossauros e outros seres (alguns deles humanoides e inteligentes) convivendo em harmonia, e os magos eram muito poderosos, manipulando os elementos e moldando a realidade. Porém, um meteoro caiu no planeta, e os últimos magos foram enterrados para sempre, assim como a vida pujante que cobria as terras. Após a queda do meteoro, a vida teve um intenso trabalho para voltar a florescer, até que surgiram novos animais, os mamíferos proliferaram sobre o Planeta, e a evolução seguiu em frente, até o surgimento dos humanos como os conhecemos hoje.

Nesta época, o planeta era como o que vivemos agora. Surgiram cidades, maravilhas tecnológicas, e o progresso tornou tudo mais organizado e até certo ponto mais civilizado. Os elementos e a magia foram enterrados (para sempre, pelo que parecia), e a interface entre o plano físico e os planos astral, elementais e espirituais se enrijeceu. Os humanos perderam completamente o contato com estes mundos.

Até que uma guerra de proporções globais eclodiu. Países batalhavam uns contra os outros, enviando bombardeios e tropas para destruir aqueles que antes da chamada Guerra dos Cogumelos eram seus irmãos ou parceiros comerciais. Neste contexto, desenvolveu-se uma bomba com altíssimo potencial mutagênico, que foi detonada, liberando o mal sobre a Terra.

Imagem: a explosão da bomba na Guerra dos Cogumelos e o surgimento do Lich.

Esta bomba foi construída por um cientista que ouvia sussurros ao seu ouvido, e sua detonação foi encomendada por uma força muito Antiga, a mesma força que havia chegado à Terra na forma do meteoro que destruiu os dinossauros, e que almejava obter controle sobre o Mundo. O Lich se levantou do local onde a bomba havia explodido, e começou a angariar seus exércitos de mutantes. Com a explosão da bomba, as barreiras entre os planos foram enfraquecidas, e seres e energias começaram a passar de um plano para outro. A magia, então, voltou à Terra, assim como os magos e outros seres. Os humanos, muito frágeis neste novo mundo, foram sendo extintos aos poucos, e os últimos deles migraram para terras distantes. O grande continente central passou a ser chamado de Terra de Ooo, e o último humano restante neste continente era Finn.

Cometas Catalisadores

Ao longo da história do Universo de Hora de Aventura, a cada 1.000 anos, chega à Terra um cometa catalisador, trazendo agentes de mudança que irão moldar os acontecimentos de forma drástica.

Imagem: cometas catalisadores.

São citados quatro meteoros principais:

  • O meteoro laranja, onde chega o Orgalorg, uma entidade cósmica que deseja absorver o poder de um cometa catalisador e posteriormente se disfarça como o pinguim Gunther;
  • O meteoro verde, trazendo o Lich, responsável pela destruição dos dinossauros e posterior retorno da magia ao mundo, que deseja mesclar as realidades do multiverso;
  • O meteoro azul, trazendo ao planeta uma energia benéfica que reencarna de várias formas, dentre elas uma borboleta, uma guerreira, e Finn, o humano;
  • O meteoro violeta, contendo uma entidade de muita sabedoria que mostra para Finn que há escolhas, e que ele pode escolher não impedir o fim do mundo — as pessoas que ele ama morreriam, mas o universo encontraria um novo equilíbrio, e não necessariamente isso seria pior.

Esta questão da data-limite e de horizontes de tempo onde ocorrem eventos disruptivos é abordada em diversas vertentes filosóficas, tendo inclusive semelhança com o cronograma de eventos de extinção em massa que é amplamente aceito pela ciência e que ocorreu na história de nosso planeta. Em Hora de Aventura, tais eventos criam linhas do tempo próprias, e são sempre incitados direta ou indiretamente pelos seres que chegaram em cometas catalisadores.

Os Universos e os Planos

Vários universos e planos coexistem na Terra de Ooo, e alguns ocupam o mesmo espaço, em faixas de vibração diferentes. Um desses planos é o plano astral ou etérico, que pode ser visto com “olhos de mago”. Em alguns casos, também, Finn e Jake fazem viagens extra-corpóreas para este plano, sendo ajudados pelo Rei Gelado, que consegue vê-los. No plano astral habitam diversos elementais, demônios e outras criaturas, que não têm efeito tão direto sobre os humanos em geral, mas afetam psicologicamente os magos que podem vê-los.

Imagem: o plano astral, como visto pelo Rei Gelado.

De forma geral, o Cosmos abordado no desenho usa um conceito de Multiverso, incluindo alguns universos com características diferentes, mas também alguns com as mesmas características do que contém a Terra de Ooo, e linhas do tempo diferentes. Em diversos momentos, as realidades se mesclam, ou se separam, dependendo de acontecimentos importantes na linha do tempo principal do desenho.

Imagem: os diferentes Universos que Lich deseja mesclar.

Neste sentido, o plano do vilão Lich é destruir as barreiras entre as realidades, para que os Deuses Antigos tenham acesso a todas elas, e possam assim se alimentar de almas e destruir os Mundos. Finn, enquanto encarnação de um cometa catalisador com missão de combater o mal, se esforça ao máximo para impedir que o Lich consiga esta proeza.

Alguns dos acontecimentos mais importantes são previstos em sonhos por meio de profecias. Porém, os habitantes de Ooo sabem que um sonho somente é profético se houver nele a presença da Coruja Cósmica. Mesmo quando ela surge, muitas vezes os acontecimentos previstos ocorrem de forma totalmente diferente do esperado, ou então uma sequência inesperada de eventos leva os sonhos a se realizarem.

Imagem: a Coruja Cósmica em seu apartamento.

Este conceito de uma certa classe de sonhos proféticos ou arquetípicos é discutida por Jung em algumas de suas obras, e era considerado por diversas culturas primitivas, sendo geralmente sonhados e comunicados ao povo por um líder espiritual ou Xamã.

Os 4 Elementos

Ao longo de toda a história da Terra de Ooo, há seres que possuem os aspectos mais primordiais dos 4 elementos: Doce, Gelo, Fogo e Gosma. Estes elementais tentam por milênios se manter à paisana, acompanhando os acontecimentos sem interferir diretamente. Porém, na minissérie Elemental, a atual elemental do Gelo, Paciência St. Pim, acorda depois de sua hibernação com o desejo de despertar o poder máximo dos elementos. Sendo assim, traz à tona o poder elemental da Princesa Jujuba, da Princesa de Fogo e da Princesa Gosminha, que conjuram seus reinos na superfície de Ooo, dividindo-o em quatro regiões.

Imagem: os 4 reinos elementais manifestados na Terra de Ooo.

Os quatro elementos, que chegam a seu epíteto na minissérie Elemental, são apresentados repetidamente durante todas as temporadas. Também correspondem a sentimentos específicos, e os Seres Elementais possuem estes sentimentos mais aflorados. Assim:

  • Fogo: está relacionado à Raiva, e seus cidadãos têm constantes acessos;
  • Doce: tem como foco o sentimento de Alegria, sempre fazendo festas;
  • Gelo: seus cidadãos possuem aspecto de Tristeza e melancolia;
  • Gosma: tem relação com Inveja, e seus cidadãos tendem a ser pedantes.

Baixa Magia

Após a explosão da grande bomba na Guerra dos Cogumelos, a magia voltou a fluir para a Terra de Ooo. Nasceram magos que utilizam os mais diversos tipos de elementos e poderes, e estes vivem em sua maioria na Cidadela dos Magos, realizando também torneios periódicos para testar seus poderes.

Imagem: batalha de magos.

Esta classe de magos utiliza a magia de forma intuitiva, no estilo do que seria a Baixa Magia, como poderes que fluem de suas varinhas ou de suas mãos, e são considerados raças diversas da humana. Alguns se organizam em covens, com vertentes e métodos específicos de preferência.

Alta Magia

Imagem: o Mordomo Menta realizando Magia Cerimonial.

Porém, há outros cidadãos da Terra de Ooo que não nasceram magos, e aprenderam a usar a magia por meio de rituais e cerimônias, algo próximo do que seriam as vertentes de Alta Magia. Este é o caso, por exemplo, do Mordomo Menta, que, utilizando magia cerimonial em um paradigma muito próximo ao Salomônico, conseguiu se tornar amigo da Morte, também ajudando Finn e Jake em assuntos de ocultismo em diversos episódios.

Imagem: demônios atravessando o círculo de sal de Jermaine.

Jermaine, irmão de Jake, herdou instrumentos mágicos e conhecimentos de ocultismo de seu pai, Joshua, e sua mãe, Margaret. Os pais dos dois cachorros tinham uma empresa de investigação de fenômenos paranormais, e por isso sua casa é repleta de itens curiosos, como por exemplo um tapete com ilustração da árvore da Cabala e uma espada feita de sangue de demônio. Devido a possíveis retaliações pelas lutas de seus pais contra diversas entidades, Jermaine precisou fazer um círculo de sal em torno de sua casa, que é destruído por Jake quando este precisa temperar sua comida.

Imagem: filha de Jake tirando as cartas para entender seu inconsciente.

Neste sentido, observa-se que na Terra de Ooo há uma convivência entre dois tipos de magia: uma delas mais instintiva, e outra mais cerimonial. Há também referências específicas a muitas vertentes mágicas Orientais e Ocidentais ao longo dos episódios, assim como rituais específicos.

TecnoMagia

Imagem: princesa Jujuba criando sua família doce.

Outras personagens da Terra de Ooo possuem menos afinidade com magia e mais afinidade com tecnologias, o que é o caso da Princesa Jujuba e de Betty Grof, ex-namorada de Simon (que posteriormente se tornou o Rei Gelado). Mesmo nesse caso, as tecnologias apresentadas são tão evoluídas que é feito um paralelo com a magia, entendendo-se que tecnologias suficientemente avançadas são indissociáveis de magia para quem não as compreende.

Imagem: Betty Grof perdendo a linha após transfusão mágica em um aparelho de destilação.

Neste sentido, observa-se uma aplicação do conceito da Tecnomagia enquanto uma forma de magia que busca mesclar elementos tecnológicos às teorias e aos paradigmas mágico-espirituais, no sentido de não haver hierarquia entre ambos e permitir-se seu uso conjunto e harmônico.

Os vampiros

Marceline é a vampira mais famosa de Hora de Aventura. Porém, ao decorrer das temporadas, é explicado que ela era apenas um meio-demônio, filha de uma humana com o demônio Hunson Abadeer. Explica-se então que o poder original de Marceline é absorver almas (poder do qual ela abre mão quando passa a sugar apenas a cor vermelha das coisas), e que às vezes este poder faz com que absorva poderes extras.

Marceline, abandonada pelo pai demônio, fica perdida nos destroços do mundo pós-apocalíptico, e é encontrada por Simon, que enlouquece após utilizar por muito tempo a coroa do Gelo e precisa partir. Em suas jornadas solitárias pelo mundo destruído, Marceline encontra um acampamento de humanos, e descobre que eles são constantemente atacados por vampiros, correndo risco de extinção. Sendo assim, decide ir atrás dos vampiros, matando-os e absorvendo seus poderes: voo, regeneração, metamorfose, controle mental e telecinese.

Imagem: os 5 vampiros originais.

Os nomes dos 5 vampiros originais são os de cinco cartas de Tarô, e suas personalidades também são análogas aos significados das cartas:

  • O Louco: é apresentado como totalmente aleatório, indiferente e desprendido, e tem o poder de voar;
  • A Lua: faz jogos de terror mental com as vítimas, e desperta somente à noite, possuindo poder de regeneração;
  • O Hierofante: é extremamente conservador, seguindo todas as regras de etiqueta atribuídas aos vampiros, e possui poder de metamorfose;
  • A Imperatriz: extremamente orgulhosa, busca um súdito que a sirva, e para isso usa o controle mental;
  • O Imperador: comanda os outros vampiros, e também comanda objetos e pessoas com seus poderes de telecinese.

Na minissérie Stakes, Marceline enfrenta novamente estes cinco vampiros, que voltam à vida após a Princesa Jujuba retirar todo seu fluido vampírico, curando-a do vampirismo. Porém, ao matá-los, Marceline absorve novamente seus poderes e volta a ser uma vampira, mostrando assim que o Universo tende sempre a encontrar um equilíbrio baseado na Lei do Retorno e em balanceamentos quando busca-se mudar a realidade.

Reencarnações

Além de todos os aspectos levantados, um assunto que permeia em Hora de Aventura é a questão da reencarnação. Diversas energias reencarnam na forma de minerais, vegetais, animais e humanos ao longo da História, e tendem a seguir caminhos que refletem ou compensam suas encarnações anteriores. Porém, às vezes, conseguem mudar seu destino, e suplantar tais tendências.

Este é o caso do Lich, que veio à Terra na forma de um meteoro, mas depois é curado e se torna um bebê (mas que ainda tem pesadelos de Lich). Já Finn tem uma tendência recorrente a perder um dos braços, e esta tendência permeia muitos dos episódios das últimas temporadas. Além disso, uma de suas encarnações foi um meteoro, e outra foi uma borboleta. De forma geral, observa-se que Hora de Aventura lida muito com a questão do livre-arbítrio, e mesmo no caso de um Ser possuir uma tendência específica, suas escolhas definirão se suas atitudes serão nocivas ou benéficas para aqueles à sua volta.

O Caos

No episódio final, somos apresentados ao Caos, na forma da poderosa divindade Golb, que vem ao mundo evocada por Betty usando o poder da bruxa Maja. É mencionado que seria muito poderoso, e geraria consequências catastróficas, caso alguém trouxesse todo o poder do Caos para o mundo físico. Porém, o Caos é derrotado com Harmonia (no caso específico, usando a música), e somente pela existência da Ordem tudo não se dissolve em Desordem.

Imagem: Golb, a personificação do Caos.

Sendo assim, da próxima vez que te disserem que Hora de Aventura é um desenho para crianças, explique que a pessoa não interpretou corretamente os episódios.

Por trás das entrelinhas e dos personagens coloridos, há aspectos filosóficos e ocultistas muito profundos, e a Terra de Ooo é apenas o palco para uma representação lúdica de conceitos científicos e espirituais complexos.

Por: RoYaL.

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Fullmetal Alchemist e a Alquimia Transcedental

Imagem: Ed e Al no Anime Full Metal Alchemist.

Edward e Alphonse Elric são os olhos pelos quais somos levados por um universo steampunk semi-mitológico, que usa cenários e contextos após a recente revolução industrial europeia, referências à cultura e ordenamento alemãos, além de vários aspectos que fizeram parte do Zeitgeist (espírito da época) medieval e vitoriano. A Alquimia. A maior parte da história se passa em Amestris, um país governado por militares capazes de transmutar e dominar parcialmente a matéria a nível atômico, com encantamentos e círculos de transmutação. A história é centrada nos irmãos Elric, que resolvem usar um complexo ritual para trazer de volta sua mãe falecida, o que acaba colocando Ed de frente com a verdade absoluta e fazendo-os pagar um alto preço.

A série japonesa de Hiroku Arakawa, que já foi considerado duas vezes pela pesquisa do site oficial da TV Asahi (uma das mais famosas do Japão) o anime mais popular de todos os tempos, hoje é um dos animes mais queridos dos brasileiros. Foi transmitido primeiramente no Animax e na RedeTV, e agora é transmitido em suas duas versões pela Netflix, com ótimas dublagens e alçando a posição de um dos animes mais maratonados no país.

Imagem: Cena do live-action Full Metal Alchemist, da Netflix.

Alquimia

AAlquimia é uma tradição baseada em elementos e processos químicos e físicos, em correlação com elementos processos psíquicos, mentais e espirituais, para alcançar a transcendência. Inicialmente Tebana e Mesopotâmica, e posteriormente aprimorada na Grécia e na Europa, usa elementos destas várias linguagens como metáforas intercambiáveis, explicando a mente pelos fenômenos do mundo físico, e vice-versa. Desta forma, este Sistema tem forte relação com o princípio Hermético da Correspondência — o que está em cima é como o que está embaixo.

Os principais elementos do sistema alquímico apresentados em Full Metal Alchemist são os processos pelos quais passa a matéria, além dos estágios pelos quais ela passa em suas diversas transformações. Os elementos básicos que formam a matéria também são citados, além de entidades físicas e espirituais que são geralmente citadas neste Sistema. Na história, existe uma tradição clássica de alquimia difundida em todo o mundo chamada alcahestria, e outra proveniente dos estudos desenvolvidos em Amestris. Há ainda as tradições de ordens que misturam vários círculos mágicos para realizar as transmutações.

Para que os círculos funcionem, eles utilizam também o que chamam de runas, símbolos que funcionam como canalizadores ou catalisadores dos elementos a serem transmutados. Pela tradição da alcahestria, os processos alquímicos são: Compreensão (entender o mecanismo dos elementos químicos) — Decomposição (separar os átomos, o processo chamado Solve na alquimia clássica europeia) — Reestruturação (reconectar os átomos na nova composição elementar, o processo chamado Coagula). Por fim, para que todos os processos se completem, é necessária a Lei da Troca Equivalente, que assegura que o processo tenha o sucesso pleno e requerido pelo alquimista, e requer para isso todos os ingredientes necessários, por vezes tomando posse de ingredientes adicionais para completar o balanço.

Imagem: Símbolos Alquímicos, autor desconhecido.

O restante deste texto irá comentar sobre aspectos específicos da série Full Metal Alchemist. Se você não assistiu a todos os episódios, e não deseja receber SPOILERS, não continue a leitura. Caso contrário, pode continuar lendo, e complemente com suas percepções nos comentários!

A Lei da Conservação

“A alquimia é uma ciência de compreensão, decomposição e recomposição da matéria. Contudo, não é uma técnica onipotente, pois não é possível criar algo do nada. Se você deseja obter alguma coisa, é preciso pagar um preço, e este é o fundamento da alquimia, a chamada troca equivalente. Existe um tabu na alquimia que não pode ser quebrado por ninguém, a chamada transmutação humana.” — Abertura da série.

O Princípio Alquímico da Conservação da Matéria, postulado por Lavoisier, diz que “Em uma reação química feita em recipiente fechado, a soma das massas dos reagentes é igual à soma das massas dos produtos”. Isso é verdade para reações onde não há transferência de matéria para o ambiente, e onde não há conversão de energia em matéria (ou vice versa), o que só ocorreria em reações de fissão ou fusão nuclear.

Imagem: montagem com cenas do mangá de Full Metal Alchemist.

Este princípio é muito importante na química como ciência, pois indica que para a sintetização de substâncias é necessária a inclusão, na forma de reagentes, de todos os átomos que farão parte do produto final.Já no sentido mental, indica que os conteúdos mentais se transformam, mas a informação não surge de nenhum lugar, apenas é moldada e toma forma. Sendo assim, é necessário, antes de qualquer trabalho intelectual ou espiritual, que o autor reconheça em sua mente os ingredientes necessários ao trabalho. Só então os metais e conteúdos psíquicos menos nobres poderão ser convertidos em outros, de maior valor.

Solve et Coagula

Em Full Metal Alchemist, os processos alquímicos são realizados mediante três etapas: a compreensão, decomposição e reestruturação. Na Arte Alquímica, as reações são pensadas também em etapas. Primeiramente, na etapa Solve, os elementos se dissolvem. Posteriormente, se reorganizam, e se cristalizam formando os produtos, na etapa Coagula. Da mesma forma, para misturas metálicas, há uma bateria de procedimentos para dissolver e separar os metais, a purificação de cada um deles, e uma etapa de coagulação, onde são formuladas novas ligas metálicas.

Imagem: Ed, Al e os alquimistas federais, no Anime Full Metal Alchemist.

Quanto a conteúdos mentais, a etapa Solve corresponde a separar todos os aspectos de uma questão que precisa ser resolvida. Em seguida, cada aspecto é analisado e purificado em separado, e o conjunto é Coagulado em um novo Todo coerente. A Psiquê é, então, reconstruída e cada um de seus elementos (incluindo a Sombra) é integrado aos outros.

Círculos de Magia

Em Fullmetal, a forma mais eficiente de realizar as manipulações alquímicas é o uso de círculos de transmutação. Esses círculos têm a função tanto de encerrar o espaço de atuação da técnica, quanto manifestá-lo no mundo real.

Em japonês, os Renseijin ( 錬成陣, círculos de transmutação) são círculos para simularem o ciclo completo da transmutação da matéria (compreensão, decomposição e reestruturação, respeitando a troca equivalente), formados de circunferências e runas. Os círculos podem ser manifestos de quaisquer formas desenhadas, sejam no corpo, em artefatos, roupas, com sangue ou mesmo como sulcos na terra. Enquanto os círculos são como condutores, simulando o leito em que corre o rio, a perfeição auto-sustentável dos planetas, os circuitos elétricos e neuronais, as runas são suas substâncias, seus fluidos, suas eletricidades, são os signos que representam os elementos contidos na operação alquímica, e podem variar muito, por serem fruto de muito estudo e teste das tecnologias.

Imagem: Cena do anime Fullmetal Alchemist — Brotherhood.

Os Círculos de Magia também são utilizados extensamente na Magia Árabe, e posteriormente por diversos outros Sistemas. Um dos tratados mais famosos de utilização de Círculos de Magia é o Lemegeton, e esta técnica é utilizada em todas as 5 vertentes da Magia Salomônica apresentadas nesta compilação.

De forma geral, os Círculos de Magia são Sigilos: selos que encerram em si intenções ou evocam energias, sendo elas planetárias, elementais ou relacionadas a entidades já existentes.

No plano mental, os Círculos de Magia ou Mandalas são usadas para representar a totalidade da psiquê, ou ainda trazer o foco para aspectos específicos da personalidade. Os Círculos devem ser compostos usando símbolos que possuem relação com a intenção visada, e que podem vir de várias linguagens: Runas, Pontos Riscados de Pemba, Tarot, Astrologia, Alfabeto Tebano, entre várias outras. A Transmutação, neste caso, refere-se à conversão de um sentimento em outro auxiliada pelos círculos e pelas mandalas, o que pode ser útil na transcendência do magista.

Imagem: alfabeto Tebano e outros alfabetos no livro The Magus, de Barrett.

Homúnculos

Na Alquimia de Fullmetal existe um tabu que é a transmutação humana. Mesmo não havendo registros de seu sucesso, é considerado algo proibido, mas, baseado no conceito milenar dessa operação no ocultismo clássico, existem algumas “exceções”. Os Homúnculos na série são criaturas humanoides com consciência geradas por meio da alquimia e do uso da pedra filosofal, e existem sete, relacionados com os pecados capitais. Ao mesmo tempo, são encarnações desses arquétipos e emanações das próprias características de seu criador, o antagonista principal da série chamado de Pai, o homúnculo primordial.

Imagem: homúnculos de Fullmetal Alchemist – Brotherhood, por sack-rabbit.

No sistema Alquímico, um Homúnculo é uma intenção personificada na forma de uma entidade, se assemelhando bastante aos Servidores utilizados em Magia do Caos. Esta entidade vive geralmente no plano astral, e surge mediante forte intenção do adepto, ou mesmo no caso de uma fecundação que não ocorreu no plano físico. A intenção do magista nasceria em outro plano, na forma de um homúnculo, assim como os 7 Pecados capitais nascem em Full Metal Alchemist. No último episódio do desenho, é entendido porque os homúnculos vivem no mesmo plano que os irmãos Elric — se trata do plano Astral propriamente dito.

Imagem: Homúnculo primordial, trecho do mangá Fullmetal Alchemist.

O conceito do homúnculo parece ter sido usado pela primeira vez pelo alquimista Paracelso, no Século XIV, para nomear uma criatura que tinha cerca de 12 polegadas de altura e que, segundo ele, poderia ser criada por meio de sêmen humano posto em um recipiente hermeticamente fechado e aquecida em esterco de cavalo durante 40 dias. Então, segundo ele, se formaria o embrião.

Porém, paralelamente a isso, era comum em diversas Ordens mágicas o carregamento de sigilos por magistas homens utilizando sêmen, o que não levaria a uma fecundação física, porém a uma fecundação astral. Para isto, podiam ser usados instrumentos específicos, como um canal estreito feito de pedra para encaixe do pênis e do sigilo a ser energizado na outra ponta.

Imagem: Homunculus – The Alchemical Creation of Little People with Great Powers.

No Século XVII, com o surgimento dos microscópios, e a observação de germes e de espermatozoides de animais e de humanos, os conceitos de Animúnculo e Homúnculo passaram a ser usados para descrever pequenos animais presentes na água de um lago, ou animais e humanos minúsculos contidos nos espermatozoides, que viriam a se desenvolver em animais e humanos dentro do útero, após a fecundação. Ainda não se tinha conhecimento sobre a existência do óvulo, o que dava ao Macho o monopólio sobre o poder criativo de uma nova vida.

Imagem: espermatozoide contendo homúnculo, no “Essay de Dioptrique” de Hartsoeker.

Golem

Após o ritual de transmutação que dá errado, Alphonse perde totalmente seu corpo, mas seu irmão consegue gerar um sigilo ancorando sua alma a um corpo artificial, que se torna sua casca enquanto busca uma forma de retornar à sua forma original. Quando ele é obrigado a viver nessa condição quase robótica, sem sentir dor, nem fome, nem sono, nem tendo nenhuma função biológica como a dos humanos, ele se transforma também numa nova criatura, uma consciência vagando num veículo rústico como aquela armadura. Al se torna um Golem.

Imagem: o Golem, armadura ligada à alma de Alphonse, no Anime Full Metal Alchemist.

Na Bíblia, no Salmo 139:16, a palavra Golem é utilizada para se referir a um corpo sem alma, o homem “cru” que ainda não teria sido terminado, aos olhos de Deus. Esta definição de um corpo sem vida já era usado desde muito anteriormente, no Talmude judaico. Além disso, no livro Sodei Razayya, escrito no Século XII, são descritos os procedimentos para a criação de um Golem.

De forma geral, um Golem seria um corpo físico criado de forma artificial por um magista, e posteriormente associado ou não a uma alma. Também pode se referir, metaforicamente, ao homem que se deixa levar pelos seus instintos, e se encontra dissociado de sua alma e de seu intelecto, agindo de forma automática e impensada, não buscando a transcendência e seu propósito divino.

Quimeras

Quimeras são geradas o tempo todo em Fullmetal mesmo utilizando a lei da troca equivalente, mas os resultados geralmente são seres disformes, reunindo características não bem ordenadas de cada animal da mistura, e na maioria das vezes são criados com objetos ruins, para serem monstros ou experimentos militares.

As Quimeras geralmente representam os instintos, ou os sentimentos não diferenciados da psiquê, que se apresentam em estados animalescos exatamente por não serem compreendidos pela pessoa que os sente. Desta forma, se apresentam de forma exagerada, ou extremamente reprimida, com aparência animalesca ou disforme.

Imagem: Edward lutando contra uma quimera, no Anime Full Metal Alchemist.

Quando os magistas tentam criar vida em Full Metal Alchemist, é o que geralmente acontece. E geralmente é o que acontece a nível mental quando há uma tentativa de manipular sentimentos de forma equivocada e sem a devida prática ou direcionamento.

A Porta

“Eu sou o que você chama de Mundo, ou então Universo, ou então Deus, ou então a Verdade, ou então Tudo, ou então Um. Eu também sou Você” — A entidade na Porta.

Imagem: cena do anime Fullmetal Alchemist, transmissão da TBS.

A ideia de um universo dividido em planos é descrita em várias vertentes filosóficas e ocultistas, como por exemplo o Platonismo, o Gnosticismo e o próprio Caoísmo. Geralmente, são descritos pelo menos dois planos, um correspondente ao mundo físico e outro ao mundo astral. Entre estes dois mundos, que convivem no mesmo espaço-tempo, porém em frequências diferentes, haveria um véu, porta ou portal, e os magistas com maior treino poderiam ver através dessa abertura, ou mesmo atravessá-la.

Em Fullmetal, existe uma porta análoga, fisicamente visitável, que simboliza o limiar entre a limitada compreensão humana, e o infinito do conhecimento universal, a consciência plena. Na série, algumas das pessoas que tentam realizar a transmutação humana são lançadas nessa Porta, de onde não saem sem pagar um preço alto. Porém, se estiverem dispostas a pagar o preço, essas pessoas adquirem compreensão plena (que é uma das etapas alquímicas da série) e perdem a necessidade de usarem um círculo de transmutação para o restante do processo. Dentro desta porta, existe uma entidade que pode ser compreendida como o Sagrado Anjo Guardião, mônada, essência, Deus ou Eu Superior de cada um que ali entra, sendo que as experiências variam e sua forma é neutra, podendo adotar uma interpretação diferente para cada consciência que se comunica com Ele.

Imagem: Ilustração da Porta Alquímica por Henry Carrington Bolton em “The Porta Magica, Rome” (The Journal of the American Folklore Society 1894) (Domínio Público).

A porta também tem uma analogia poderosa com a tradição esotérica, ao demonstrar os desenhos da árvores cabalísticas Sephirótica e Qliphótica, sendo o portal que protege a consciência dos reinos de grande expansão e evolução, e abismo e involução, estados que experimentamos em vida com nossas mentes, e nos mundos sutis com nossos corpos astrais e espirituais.

Ao fim da série são deixadas duas mensagens principais. Uma sobre o mau uso da alquimia para realização de desejos vaidosos, que mesmo trazendo conquistas e controle sobre a realidade, trazem também arrogância e prepotência. A entidade deixa bem claro: “Eu trago desespero para os prepotentes”.

Esse desespero é o próprio Abismo, o contato com a grandeza do universo que nos faz ver realmente o lugar que ocupamos, e é necessário agir sempre com sensatez e humildade, independente de seus ganhos.

A segunda mensagem é sobre o verdadeiro preço a se pagar por uma vida. A troca equivalente final, o retorno do Portão pelo corpo de seu irmão, simboliza a dissolução, a abertura de mão dos conceitos racionais e intensos controles aos quais nos colocamos o tempo todo, por uma atitude de agir conforme à naturalidade, se mesclar com o fluxo das coisas, estar realmente conectado, para se viver uma vida plena.Ed abre mão de seus poderes alquímicos para ser a alquimia perfeita, o ser humano mais nobre, evoluído e alinhado com sua verdadeira vontade possível. Recupera a vida que sempre desejou e cessa a dor de sempre lutar contra aquilo que não pode mudar.

Imagem: os irmãos tentam ressuscitar sua mãe, no anime Full Metal Alchemist.

Pode-se dizer que Fullmetal é uma obra alinhada ao Caoísmo, por trazer elementos da Alquimia clássica e redimensioná-la numa noção fantástica onde a intenção de manipulação é expressa em sua forma mais hiperbólica, mostrando as consequências do uso mal intencionado ou irresponsável do poder que a magia dá. Influenciou a cultura pop contemporânea em vários níveis, sendo inclusive um dos artifícios usados por Bruno Borges no evento do Acre, e sendo uma das maiores referências de uma mensagem modificadora na mente de milhares de fãs ao redor do mundo. Hoje pode muito bem ser usado como referência para a criação de sistemas mágicos próprios e variados usos de círculos mágicos e sigilos, sendo fonte de uma egrégora poderosa de cultuadores da série pelo mundo, além de uma base para alquimia transcendental que reside na História de incontáveis homens como o sonho de transmutar chumbo em ouro. Do sonho de transmutar o homem inferior em um ser humano de excelência.

Imagem: My Little Pony and Fullmetal Alchemist Crossover, por Prototype-No-07.

Ass.: Zero & RoYaL.

Referências: Carl Jung — Os Fundamentos da Psicologia Analítica; Carl Jung — O Homem e Seus Símbolos; Peter Carroll — Liber Null e Psiconauta; Skinner e Rankine — Dr Rudd’s Goetia; Kenneth Grant — O Renascer da Magia.

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H.P. Lovecraft e as entidades cósmicas

oward Phillips Lovecraft viveu de 1890 a 1937, e foi o precursor do gênero literário de terror cósmico, sendo referenciado até os dias atuais em diversas outras obras e apontado como o mais influente escritor nesta área.

Há indícios de que os personagens e entidades citados em seus livros, assim como os elementos locacionais e relíquias importantes descritos em suas obras, seriam adaptados de elementos reais com os quais Lovecraft teria entrado em contato em suas participações nos círculos da Golden Dawn. Segundo Kenneth Grant, Crowley teria, em seus diários, descrito Lovecraft como um participante dos cultos que era covarde a ponto de não suportar o vislumbre do abismo, e como alguém que não conseguiu atravessar o véu e aceitar o outro lado. Após entrar em contato com algumas entidades poderosas do Cosmos, Lovecraft teria recuado, com medo, desistindo de participar dos cultos e transformando-as em personagens das suas obras.

Imagem: H.P. Lovecraft, autor desconhecido.

Vários elementos Lovecraftianos são utilizados em práticas de magia, principalmente da Magia do Caos ou Pop Magick, devido ao seu sucesso em explicar e personificar aspectos com os quais se entra em contato nestes sistemas. Estes aspectos são, primordialmente, relacionados aos caminhos “de mão esquerda” ou “escuros”, onde obtém-se grande quantidade de conhecimentos profundos e valiosos, porém cujo alto fluxo de energia corre o risco de levar seus praticantes à loucura, caso não haja a preparação necessária.

Necronomicon

Um dos principais elementos citados nas obras de Lovecraft é o Necronomicon, um livro que teria sido escrito por Abdul Alhazred, um poeta árabe que teria ficado louco ao entrar em contato com essas divindades. Em árabe, o nome do livro é Al Azif, que por sua vez seria o nome dado ao barulho que os insetos fazem durante a noite, em alusão aos sussurros emitidos pelas entidades cósmicas aos humanos em sonhos. Ao longo de suas obras, os personagens de Lovecraft fazem associações entre as situações vividas e elementos que teriam lido no Necronomicon, o que faz deste livro fictício um elemento de coesão no universo Lovecraftiano.

O restante deste texto irá comentar sobre aspectos específicos das obras de H.P. Lovecraft e de obras literárias e audiovisuais relacionadas. Se você não leu os livros, não viu os filmes, e não deseja receber SPOILERS, não continue a leitura. Caso contrário, pode continuar lendo, e complemente com suas percepções nos comentários!

À procura de Kadath

Em sua obra À procura de Kadath, Lovecraft descreve uma viagem pelo plano astral. Em um sonho lúcido, o personagem vê o planeta Terra por trás dos véus do plano físico, e também vai até a Lua, passando por lugares que teriam sido descritos no Necronomicon. O objetivo do personagem principal, em sua jornada, é chegar à cidade dourada de Kadath, que pode corresponder à Israel Celeste, Shambala ou Eldorado, lugares de perfeição descritos em diversas correntes mágicas.

O principal inimigo nesta viagem é Nyarlathotep, o Caos Rastejante, uma entidade que aguarda na escuridão e ameaça não permitir que o viajante Astral retorne em segurança. Em uma célebre frase, o Caos Rastejante pergunta ao protagonista: “Eu faço parte do seu sonho, ou você faz parte do meu?”, analogamente ao primeiro princípio Hermético: “O Todo é Mente”.

Imagem: retorno da Lua, por Gabriel Costa.

Nas Montanhas da Loucura

Em Nas Montanhas da Loucura, uma expedição científica vai até a Antártica e descobre coisas importantes sobre o surgimento da vida na Terra, que desafiam os conceitos científicos vigentes. Os primeiros habitantes da Terra teriam sido uma raça de alienígenas com formas semelhantes a anêmonas e dotados de asas, chamados de Antigos.

Os Antigos construíram seu império onde hoje é a Antártica, e para isto criaram seres-vivos chamados Shoggoth, que possuíam capacidade de se metamorfosear em várias formas e auxiliar nas obras. Paralelamente, os Antigos teriam criado formas unicelulares de vida, que evoluíram até os animais que temos hoje. Os Antigos teriam, então, sucumbido à sua própria criação, os Shoggoth, que saíram de controle, após terem sido enfraquecidos devido a combates contra outra raça, composta por gigantes alados com faces similares a polvos.

Imagem: Shoggoth, por Gabriel Costa.

O Chamado de Cthulhu

Os Antigos, iniciadores da vida na Terra, travavam batalhas cósmicas com uma raça de gigantes alados com características répteis e de polvos. Esta raça possuía capacidades telepáticas e se comunicava com outros seres por meio de sonhos, além de produzir sons guturais que não são reprodutíveis com o aparato humano de fala. A transcrição mais próxima de um representante desta raça, em língua humana, seria “Cthulhu”.

A base utilizada por Cthulhu e sua raça durante a guerra contra os Antigos seria R’lyeh, uma ilha no Oceano Pacífico onde foi construído um império baseado em arquitetura não euclidiana e tortuosos pináculos. Após a guerra na Terra, e a derrota iminente pelos Antigos, Cthulhu foi aprisionado e a ilha foi submersa. A entidade continuou adormecida aguardando as estrelas se alinharem para retornar à superfície, e nesse meio tempo emanou mensagens enigmáticas para humanos na forma de sonhos, buscando angariar seguidores, que formaram um culto a Cthulhu.

No Chamado de Cthulhu, o protagonista entra em contato com um destes cultos, e viaja até a ilha, guiado pelos seus sonhos, assistindo ao evento do despertar do monstro. A entidade Cthulhu pode ser associada aos poderes ctônicos e aos dragões, aos instintos e ao cérebro reptiliano que, embora adormecido, deve ser compreendido e controlado na busca do magista por transcendência.

Imagem: estátua de Cthulhu, por Gabriel Costa.

A Cor que Caiu do Espaço

Em A Cor que Caiu do Espaço, Lovecraft descreve a chegada à Terra de uma entidade extraterrestre, na forma de um meteoro que cai em um poço de água e se desenvolve sob uma cidade inteira, desintegrando-a e vampirizando sua energia. Como no caso de Cthulhu, as pessoas têm sonhos estranhos, e, enquanto a energia extraterrestre se alastra pelo subsolo, as árvores e mesmo as pessoas perdem gradativamente sua energia vital. No final, entende-se que a Cor se tratava de um dispositivo de coleta de energia, emitida por extraterrestres para colher a energia de planetas e retornar posteriormente a eles.

Nesta e em outras obras Lovecraftianas, comenta-se sobre “sementes” alienígenas que se encontram adormecidas no subsolo de nosso planeta, apenas aguardando — como no caso de Cthulhu — a configuração cósmica perfeita para que possam cumprir seu intento. Em sua maioria, emitem uma energia que pode ser captada por meio de sonhos ou de viagem astral, e que influencia o inconsciente das pessoas próximas.

Imagem: A Cor que Caiu do Espaço, por Gabriel Costa.

Starcraft, Alien, Predador, Halo

Um dos elementos marcantes nas obras de Lovecraft é a luta entre raças pela soberania de planetas. Algumas raças são inteligentes, como os Antigos, ou possuem força descomunal, como Cthulhu. Outras se reproduzem e sofrem mutação muito rápido, como os Shoggoth, e os humanos se encontram em meio à guerra, podendo apenas tentar se proteger da melhor forma possível.

Este modelo de “Raça inteligente”, “Raça que se reproduz rápido” e “Humanos” se apresenta em diversos filmes e jogos posteriores, principalmente em Starcraft (Protoss, Zergs, Humanos), Alien/Predador (Predadores, Aliens, Humanos), e Halo (Covenant, The Flood, Humanos).

O mito da criação da vida terrena por raças superiores é ainda citado no filme Prometeu, e tanto neste filme quanto em Starcraft e Halo há buscas posteriores por uma raça ainda mais antiga que os próprios humanos e que as outras raças. Estes seriam os Xel’Naga, em Starcraft, e Precursors e Forerunners, em Halo. Este conceito de Criadores mais antigos também é mencionado, embora não muito explorado, nas obras de Lovecraft, com o conceito de Azathoth.

Imagem: Xel’Naga espalhando a vida pelo universo, por Blizzard Entertainment.

A Coisa

O filme “The Thing”, de John Carpenter, segue um enredo muito próximo ao de Nas Montanhas da Loucura. Neste filme, pesquisadores encontram restos mortais de uma espécie desconhecida, em meio a uma vastidão congelada. Porém, ao ser descongelada, a espécie — metamorfa como os Shoggoth — mostra que não estava morta — assim como Os Antigos. A espécie, por sua vez, almeja apenas sobreviver no planeta onde sua nave caiu.

Já “It”, de Stephen King, segue enredo análogo ao A Cor que Caiu do Céu. Um alienígena cai com sua nave no planeta Terra e passa a viver no sistema de esgoto, atraindo crianças por meio de visões e sonhos — como Cthulhu. Nestas visões e sonhos, A Coisa aparece como um palhaço, além de outras formas possíveis. O alienígena se alimenta do poder vital das pessoas, enquanto aguarda poder retornar ao Espaço.

Imagem: nave espacial do filme “The Thing” de John Carpenter.

O Segredo do Abismo e Guerra dos Mundos

No filme O Segredo do Abismo de James Cameron, cientistas descobrem uma civilização alienígena avançada no fundo de fossas submarinas a grande profundidade. Já no livro A Guerra dos Mundos, depois adaptado para o cinema, há uma grande quantidade de máquinas extraterrestres já enterradas no planeta, que são ativadas no momento desejado.

O conceito de vida extraterrestre aguardando no seio da Terra para ser descoberta ou despertada é muito explorado por Lovecraft, e o Necronomicon descreveria os locais onde estas civilizações se encontram. Os locais ficariam principalmente sob o oceano, como a ilha R’lyeh, e em regiões inóspitas como desertos ou planícies congeladas.

De acordo com Lovecraft, estes extraterrestres seriam os responsáveis pelo início do Apocalipse, quando se finalizaria um ciclo de vida orgânica no planeta para o início de outro. A data para a ocorrência, por sua vez, seria determinada por alinhamentos cósmicos específicos.

Imagem: tripods do livro “A Guerra dos Mundos” por Henrique Alvim Corrêa.

Outras referências

Muitas outras obras citam — em maior ou menor grau — conceitos Lovecraftianos. A série Stranger Things, por exemplo, apresenta em sua segunda temporada uma entidade que vive no plano astral e deseja ter acesso ao plano físico, utilizando para isso visões e sonhos. Esta entidade se assemelha muito a Nyarlathotep, citado em À Procura de Kadath.

Em uma das expansões do jogo Skyrim, por sua vez, apresenta-se um reino de geometria não euclidiana, onde vive o semideus Hermaeus Mora, incluindo tentáculos e um livro similar ao Necronomicon. Já no jogo Castlevania, o Necronomicon é utilizado em uma tentativa de reviver Drácula, o Rei dos Vampiros. Outras obras de Lovecraft foram adaptadas de forma mais direta, como é o caso do desenho animado de longa metragem “Howard Lovecraft e o Reino Congelado”, do filme “Dagon”, e do jogo “Prisoner of Ice”.

De qualquer forma, o universo Lovecraftiano é muito vasto, e o principal aspecto que perpassa suas obras é a tensão energética sempre presente na atmosfera, uma vez que há energias latentes influenciando o tempo todo em nosso mundo, em sua maioria complexas, poderosas, altamente viscerais, e potencialmente hostis.

Imagem: Pentagrama de Cthulhu por Jack-Burton25 (deviantart).

Ass.: RoYaL

Referências: Kenneth Grant — O Renascer da Magia; H.P. Lovecraft — À procura de Kadath; H.P. Lovecraft — Nas Montanhas da Loucura; H.P. Lovecraft — O Chamado de Cthulhu; H.P. Lovecraft — A cor que caiu do céu.

Pop Magick

Avatar: Aang, Korra, e a magia

Aang e Korra são os aprendizes que nos levam a entender a história por trás do mundo de Avatar (e, indiretamente, a História da Ásia), em duas épocas diferentes, uma delas feudal, e outra republicana. Ambos são reencarnações de Wan, o primeiro humano com poder de manipular os quatro elementos, e têm como missão de vida (Verdadeira Vontade) estabelecer o equilíbrio entre as Nações, bem como entre os mundos Físico e Espiritual.

Mas, antes de começarmos, é sempre bom lembrar que o texto segue uma ordem temática, e pode ter spoilers das duas temporadas de Avatar. Sendo assim, continue a ler por sua conta e risco.

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Pop Magick

Tolkien: cosmogonia e panteão

Eru, chamado pelos elfos de Ilúvatar, manifestou diversas entidades, correspondentes às suas diversas facetas. Esses eram os Ainur, a quem os elfos chamavam Valar. Todos se sentaram em torno de Ilúvatar, e juntos eles entoaram uma canção.

Um dos Valar tentava levar a canção para acordes menores, e adicionava notas dissonantes, mas os outros Valar cantavam mais alto e a canção retornava aos acordes maiores e às notas harmônicas. Algumas das vezes, este Valar quase conseguiu fazer a canção ir para uma harmonia lúgubre em acordes diminutos, mas os outros não permitiram, e a canção fluiu.

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