Santa Companha: o cortejo dos mortos
Uma tradição folclórica cristã muito comum no Norte de Portugal, na Galícia e nas Astúrias é a Santa Companha, uma procissão de almas que percorrem o caminho entre as paróquias e visita as casas de pessoas que estão próximas do passamento. O nome deriva do termo “sancta cum pania”, ou seja, aqueles que compartilham do mesmo pão, e é normalmente liderada por uma pessoa viva, que carrega uma cruz, água benta e as insígnias do santo ou santa que exerce patronato sobre uma determinada localidade. Também chamam de Procissão dos Mortos, Hoste (La Güestia) e outros termos que são a contração de palavras que descrevem o cortejo, de forma a evitar pronunciar diretamente o nome.
O Condutor
Um dos elementos fundamentais é que o gênero do condutor da Santa Companha deve corresponder ao do santo ou santa padroeira da localidade, e este só pode abandonar o compromisso ao encontrar outra pessoa viva em seu caminho, a quem deve entregar os objetos que carrega. Acredita-se que a cada novo passo dado pelo mortal que lidera a Companha, este emagrece e embranquece mais, até o ponto em que se junta definitivamente aos mortos deste cortejo. Acredita-se que o cortejo só se manifeste a noite, mas isso não é consenso.
Qualquer pessoa que queira escapar do destino de guia da Santa Companha deve fazer algum tipo de simpatia ou ato mágico: traçar um círculo no chão e deitar-se de bruços; evitar olhar para os espíritos do cortejo; gritar o nome de Jesus de braços abertos pra não receber a cruz; cruzar os braços; ocupar as duas mãos de modo de modo a ser incapaz de receber as ferramentas de guia do cortejo, se esconder sobre os degraus que sustentam um cruzeiro.
Bruxas e Magas
Algumas narrativas folclóricas falam que meigas (magas), bruxas (brujas, bruhas) e outras figuras que tratam com o sobrenatural participam desta procissão carregando ossos em chamas, círios e outros objetos relacionados ao passamento e aos rituais fúnebres, e por não serem almas de mortos, podem se manifestar também durante o dia. As vezes é dito que o cortejo é composto por almas do purgatório, e que cada uma carrega uma cruz e um círio, trajando um sudário e de pés descalços, e que a passagem do cortejo pode ser identificada pelo forte cheiro de cera queimada. Outras tradições contam que o cortejo carrega o caixão com uma pessoa amaldiçoada, e que a aparição do cortejo é mais comum na Noite de Todos os Santos e na Noite de São João. Também é dito que a Companha se manifesta após a realização de missas para as almas do Purgatório, que deve obrigatoriamente ter sido assistida por uma pessoa viva.
Ainda é dito que o mortal que conduz o cortejo não se lembra de nada durante o dia, e que essas pessoas são reconhecidas por serem sempre pálidas e bastante magras. Alguns registros folclóricos registram que o condutor do cortejo vai cantando preces e cânticos fúnebres, tocando eventualmente um sinete. Outros acreditam que só pessoas que foram batizadas com o uso acidental de óleo para a extrema-unção ao invés do adequado ao batismo. Uma das formas de detectar a passagem do cortejo é o silêncio completo dos animais, interrompido por ganidos de cães e pelo comportamento assustado de gatos.
Variações e Conexões
Algumas variantes regionais falam sobre cavaleiros fantasmas cruzando as estradas durante a noite, e outras destacam que aqueles que os enfermos que estão destinados a morrer são capazes de ver a passagem da Hoste.
Pesquisadores e folcloristas costumam conectar a Santa Companha com tradições pagãs anteriores, como a Caçada Selvagem, normalmente liderada por alguma divindade que exerce o papel de psicopompo, como Odin, Arawn. Existem variações da caçada selvagem que são liderados por figuras históricas como Carlos Magno e Teodorico ou por personagens míticos como o Rei Artur, e eventualmente por figuras cristãs como arcanjo Gabriel, por Caim ou pelo Diabo.
Outras figuras também são marginalmente associadas como compartilhando uma raiz comum dessa mitologia como as banshees, que anunciam a morte na Irlanda; ao Ankou, o servo da Morte que é descrito carregando um crânio em iconografia cristã em tradições bretãs e britânicas, e que segundo o provérbio “quando vem, não parte de mãos vazias”.