Yule: a noite mais longa
Uma efeméride solar que acontece por volta do dia 22 de dezembro no Hemisfério Norte e do dia 21 de junho no Hemisfério Sul, o Solstício de Inverno representa o momento do ano em que a noite tem a sua maior duração.
Quanto mais próximo das regiões polares, mais longa é a duração da noite, enquanto próximo à Linha do Equador o fenômeno chega a ser quase imperceptível.
Etimologia
Yule (ou Yllir, Jul, Jol, Geól) é um termo com origem nos idiomas germânicos e que se refere a véspera do solstício de inverno (Yuletide) ou ao banquete de Yule (Yulefest). Na tradição de Yule, sobretudo na Islândia, observamos Odin liderando a Caçada Selvagem, acompanhado de outros deuses, montado no cavalo Sleipnir. É comum a manifestação dos draugr, um tipo de morto-vivo (citado também no jogo Skyrim).
Este festejo, presidido pelo Jolfaðr — Pai Yule, um dos epítetos de Odin e possível ancestral do Papai Noel — é celebrado em três ou doze noites, segundo algumas sagas e poemas antigos, e nas fontes anglo-saxãs compiladas pelo monge Bede (porém muitas vezes estudiosos modernos questionam a confiabilidade da fonte, que teria viés cristão conversionista). Outro deus que pode estar associados a tradições pagãs germânicas é Freyr, a quem era oferecido o yule-boar (javali assado), e que era eventualmente descrito liderando um cortejo de elfos e cavalgando em um trenó.
Celebração
Diversos povos da Eurásia estabeleceram rituais, mitos e celebrações relacionados à noite mais escura, onde normalmente existe uma celebração envolvendo a representação do renascimento da Luz. Algumas construções de pedra antigas, como a colina oca de Newgrange, na Irlanda, parecem ter conexão com um sistema astronômico de determinar a data precisa do dia do solstício. No dia exato do solstício, a luz entraria pelo portal e iluminaria as profundezas da câmara interna. Pouco se sabe sobre as reais intenções da civilização que construiu Newgrange, cerca de quinhentos anos antes da Grande Pirâmide, porém a obra teve impacto significativo no imaginário coletivo.
Prever a regularidade das estações permitiria as civilizações agropastoris do neolítico planejar o plantio, a colheita e, sobretudo no inverno, ter noção do racionamento dos alimentos estocados até que os dias voltassem a ser amenos e a terra propícia ao plantio. Não é sabido se os povos celtas celebravam em sua totalidade a efeméride, entretanto alguns mitos parecem apontar minimamente não apenas o conhecimento desta data, mas atribuição de uma relação divina ao fenômeno.
Em cada uma das 12 noites algo diferente é celebrado:
- Módraniht, a noite da mãe (que em muitas tradições, passa a ser celebrado no Disarblot, entre fevereiro e março, em honra das disir, as ancestrais femininas);
- O Solstício de Inverno, na segunda noite;
- Nove noites em honra de uma das nove virtudes, na ordem: Coragem, Verdade, Honra, Fidelidade, Hospitalidade, Disciplina, Diligência, Auto-confiança e Perseverança;
- A décima segunda noite seguida do alongamento dos dias.
Se na tradição escandinava as festividades iniciavam na véspera do solstício (dia 21/12 no hemisfério norte), terminando em 2 de janeiro, com a conversão ao Cristianismo as doze noites seriam mantidas em esquema similar, onde a festividade inicia na ceia do dia 24/12 para o dia 25/12, que representa a Natividade de Jesus, e segue até o dia 06/01, quando é celebrado o Dia de Reis e a Epifania de Cristo, como manifestação visível do Deus Encarnado no corpo de Jesus bebê.
Outras tradições onde parece persistir o ciclo de doze dias entre o Natal e o Dia de Reis são:
- bolo-tolo, onde um brinde e uma fava são escondidos em um bolo, sendo o premiado com o brinde coroado rei e o premiado com a fava responsável pelo bolo-tolo oferecido no ano seguinte;
- o sapato deixado na janela com grama, seja para alimentar as renas do Pai Natal (Papai Noel/Jolfaðr) ou os camelos dos reis magos, que deixariam doces no lugar; houve substituição por algo mais moderno nos países anglo-saxões: a meia vazia na lareira com leite e biscoitos para alimentar o Papai Noel (ele deixaria no lugar alguns doces ou presentes, mas poderia deixar carvão caso a criança seja mal-educada e desobediente);
- Folia de Reis, uma celebração folclórica e festiva brasileira, que acontece entre 24 de dezembro e 6 de janeiro, onde uma trupe de artistas (músicos, cantores, palhaços e afins) andam pelas cidades com música, festejos, apresentações teatrais e as cidades organizam barracas com comidas típicas;
- o Julebord (mesa de natal) onde se assenta o banquete para aqueles que celebram com uma enorme variedade de pratos.
Um caso bem icônico de Juleboard é o banquete oferecido pelo rei normando e unificador da Inglaterra, Willelm I (Rei Guilherme), o Conquistador em 1066, onde ele celebrava a bem sucedida campanha de conquista das terras inglesas, e sua coroação na noite de Natal. Tão suntuoso e abundante foi o banquete em que a quantidade de animais abatidos (vacas, carneiros, porcos e aves) girava em torno de várias centenas
Mitologias e outras versões
Na mitologia irlandesa, observa-se o encontro amoroso da deusa Boann e do seu amante, o deus Dagda. Boann teria engravidado e, para esconderem a traição da deusa ao marido, Dagda e a deusa fariam a noite se prolongar por nove meses, a fim de que a criança gerada nascesse no mesmo dia. Teriam surgido assim Angus, o filho desses deuses, e o solstício de inverno, como a mais longa noite.
Para os eslavos, no Solstício de Inverno nascia Koleda, que representa o Sol. Em honra desse deus eram sacrificados cavalos, bodes, vacas e ursos, todos representando a fertilidade, mas também eram oferecidos pães e bolos. Esta deidade é ora representada como deus, ora como deusa, sendo lembrada na forma de um boneco ou boneca nos rituais. O festival, também chamado Koleda (nos países bálticos, Kalèdos; entre os antigos eslavos da Rússia e Ucrânia, Kolyadka) é associado ao Natal entre os povos eslavos e bálticos. A tradição resiste até os dias de hoje na forma de grupos de pessoas que andam de casa em casa em uma cidade ou vilarejo cantando músicas folclóricas, mas também músicas natalinas.
Outras celebrações, como a Saturnália romana, ocorriam próximas ao solstício de inverno, neste caso iniciando entre o dia 17 e 19 de dezembro, variando com o calendário oficial, podendo se prolongar de três a nove dias, dependendo do imperador. Os romanos inicialmente celebravam Saturno, com sacrifícios no templo deste deus, banqueteavam-se em fartas refeições com o acompanhamento de vinho novo (recém pisado, de baixa fermentação). Era comum a “inversão de papéis”, onde senhores atendiam aos seus servos e escravos eram servidos por seus donos, acompanhados de vista grossa para delitos e excessos cometidos no período, e eventualmente também havia trocas de presentes.
Outra celebração romana solsticial é a incorporação do Solis Invictus, inicialmente através do deus sírio Elagbol, pelo imperador Heliogábalo (que recebe a versão romanizada do nome Elagbol), e posteriormente ao culto persa do deus Mitra, muitas vezes sincretizado com Marte e que passou a ser celebrado como Solis Dei (deus sol) pelo imperador Aureliano. Em ambos os casos a celebração tem cunho cívico e direcionada às elites, em oposição aos variados cultos de deuses solares pelos camponeses.
Na Áustria, Suíça e Alemanha, outra figura recorrente é o Krampus, um ser com características de bode antropomorfizado, que provavelmente é um ser (deus ou criatura mágica) com culto pré-cristão e demonizado. Sua função é ser um contraponto ao São Nicolau (celebrado em 6 de dezembro e que também foi posteriormente utilizado na cristianização do Jolfaðr). Enquanto São Nicolau presenteia as crianças educadas e obedientes, Krampus pune as crianças mal-educadas e desobedientes. A bruxa italiana Befana é outra personagem folclórica associada ao Natal, fazendo as vezes de presentear ou punir as crianças na noite de Natal. Alguns indicam ser uma deusa ancestral de tribos germânicas da Europa Central, Bertha. Santa Lúcia (ou Luzia), uma mártir cristã celebrada em 13 de dezembro, muitas vezes também aparece na iconografia das festas de Natal nos países eslavos, substituindo a divindade Koleda e exercendo papel similar ao de São Nicolau na supressão de elementos pagãos benéficos.
Simbolismo arquetípico
Observando as diversas lendas, celebrações e mitologias, observa-se que o Yule é uma festividade que denota recolhimento para podermos renascer mais um dia. O Sol é propiciado, nessa noite mais longa, para que possa retomar seu crescimento e tornar os dias mais longos vencendo a noite.
O tronco de Yule aceso em vigília nos lembra que, embora a luz possa parecer fraca, ela ainda está ali, viva, e irá prevalecer no final. Afinal, embora enfraquecido temporariamente pelas sombras, o Sol é invicto.